Antes de ser eu mesmo eu era qualquer um. Rezava pelos cantos e sumia dos olhos de meus parentes. Tenho afundado e definhado cada vez mais. Talvez minhas costas arquearam e meu queixo varra o chão. Minhas pernas bambas pedem colo, pedem pausa pra reflexão. Domingo, então, é um dia duro pra mim. É quando visito meus avós, meus parentes estranhos e as paredes de meus pensamentos.
Tenho rabiscado meu nome em todos os cantos, sou pessimista, apago-os sempre com minha saliva. Meu sangue tem coalhado com a epidemia de meu ser. Quero as latrinas que guardo em meu colo, quero ser apenas uma andorinha torta a voar pelo céu, que ainda se apresenta azul, como antes.
As ambulâncias lá foram gritam por socorro, e eu, desesperado, afogado em meu minúsculo apartamento, sumo. Eu fugi pra outras dimensões, tenho tentado infringir minhas regras. Sou um fugitivo das minhas palavras. Pensar é um exercício árduo pra mim, pobre menino casto. Meu sexo é de gozo fácil e rápido. Contento-me em olhar pernas, bundas e seios.
Minha mente deu uma estreitada. Ontem eu era feliz, todo sábado eu rio, mas domingo, sabe, é difícil pra mim. O padre veio me visitar, veio dar-me os pêsames. Meu gato, Chano, morreu. Era um gato branco e pequeno, bebia leite e comia melancia. Eu o apanhei pelas ruas, estava assustado quando me acompanhava com seu olhar.
Senti-me protegido. Até então era como se eu fosse uma “espalda” descoberta. Fingi-me de morto, apodreci e calei. Estava sorumbático esses dias, tomava café e dormia, e nos intervalos eu ouvia Joni Mitchell, ela conseguia me proporcionar momentos de excitação únicos. Senti-me maravilhado quando os olhos avermelhados rugiam alto, como se pedissem alento. Café, Joni e cama, eram meus únicos alimentos. Esses sábados comoventes em nossos dias, os sábados dos desacostumados, os sábados de quem ri e chora. E meu gato Chano ainda me pedia carinho, leite e melancia.
Descalço, eu caminhei até a rua. Os paralelepípedos já não me incomodavam, criou-se uma espécie de crosta sob meus pés. Calos, ventres e canções. Beatles, Elvis e Dylan. O som de meu micro não descansava um instante sequer, nem minhas pernas, inquietas, que mexiam mesmo aos sons urbanos produzidos nos faróis do centro.
Passei a madrugada resmungando canções, dedilhando bocejos e ouvindo poesias. Minha cabeça inculta rezava pra ficar só, respirar um pouco e desafogar da pilha de pratos que se forma na cozinha. Meus dentes cansaram de procurar o beijo amigo, aquele que ainda guardo o gosto, um sabor nunca experimentado, mas vivenciado em meus sonhos.
Dizem que tenho andado calado. – Talvez seja amor – ouvia das bocas transeuntes. O pio de meus olhos pareciam notificar que algo de errado passava pelo corpo, era uma excitação, esqueci de avisar. Minhas ladainhas já não serviam. A vizinhança já não se comovia com meus gritos surdos. Minhas opacas retinas desejavam voar lá fora, como aquela pipa que ganhei de papai na manhã de 5 de julho de 1997, alguns dias antes de meu aniversário.
Lembro que corria pelos campos e empinava a pipa o mais alto que ela conseguia voar. Rasgava o céu como uma tesoura em papel vegetal. Os cães ladravam baixinho, como se pedissem proteção. Enquanto o arco-íris troava, os raios de sol cansavam minha pele branca. Logo tomei aspirinas, queria tentar o suicídio. Enquanto o vinho embebedava-me os cabelos, cortados a tesoura na noite passada.
Meus queridos sobrinhos, crianças débeis e delicadas, sorriem pra fotografia. Eu, fugia, como sempre fiz, não queria minha lembrança registrada num pedaço de papel amarelado. É algo que não me arrependo. As minhas dúvidas constam nos meus diários, e as certezas, guardo-as como recordações de um tempo finado.
Recorro então ao computador. Minha caixa de entrada de e-mail está lotada. Um dia encerrarei orkut e essas baboseiras que nos fazem sentir úteis e agradáveis. Ouço então “The last time I saw Richard”. É uma fase que eu vivo. Tomo mais um dos inúmeros goles de café e sorrio. Vejo meu rosto transfigurado na parede de meus sentimentos. Sentimentos altos, vagos e pobres.
Meus acalantos são as vozes que escuto produzidas no banheiro da vizinha. O caminhar é algo vago, não recordo como é a manifestação do movimento pelo corpo. Tenho visto joaninhas em meus óculos embaçados. Todo meu ser agora se resume a pó.
A perfeição de meu ser é tangível se eu retomar o caminho escrito a lápis numa folha de carnaubeira. Na minha cama eu sustento o controle de meu sono. Temo acordar morto, se assim for possível. E as vozes do banheiro calaram-se. Talvez o remédio tenha surtido efeito.
Creio que não voltarei a falar de meu domingo. Nem dos outros que vivi anterior a este. É uma fase que eu vivo. Meu calendário conta de segunda a sábado. E minha felicidade é vã, uma vez que não tenho mais dicionário.
: Jander Alcântara
18.05.2007
1 comentários:
24 de abril de 2008 às 17:14
Nossa!
Zeky!
Obrigado cara!
valeu mesmo...
Nossa!
Tão bom me reler. rsrsrs
Eu não lembrava o quanto eu me sentia pessimista. menino... nem eu tenho mais esse texto.
VALEU CARA
BRIGADÃO MESMO!!!!!!!!!
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